sábado, 5 de fevereiro de 2022

Método Hermenêutico Histórico-Gramatical e Pentecostalismo, União Intrínseca e Necessária: Uma Crítica à Hermenêutica Pós-Moderna

    Disponível em PDF o meu artigo Método Hermenêutico Histórico-Gramatical e Pentecostalismo, União Intrínseca e Necessária: Uma Crítica à Hermenêutica Pós-Moderna publicado pela revista Bona Conscientia em 2019. Nele, abordo a relação necessária entre o método histórico-gramatical e a teologia pentecostal, haja vista haver uma tendência em alguns círculos de promoverem uma hermenêutica pós-moderna, centrada prioritariamente no leitor e/ou comunidade como direcionadores da interpretação do texto, desconsiderando a intenção autoral, tão importante para o entendimento e vivência das Escrituras Sagradas. O artigo dialoga com algumas obras publicadas em português quanto a este tema hermenêutico pós-moderno, faz uma análise crítica e realça o método histórico-gramatical como o mais adequado para não somente o pentecostalismo, mas também para todos os ramos evangelicais e demais carismáticos.

Você pode baixar o arquivo aqui.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

"Escolas" Pentecostais: Cleveland (!) e Springfield (?) - Rick Wadholm Jr

 


Tradução: Marlon Marques

Recentemente me fizeram a seguinte pergunta via Facebook Messenger (veja, o Facebook pode ser útil e construtivo):

Você vê alguma diferença entre a “Escola de Springfield” e a “Escola de Cleveland” dentro do meio pentecostal? Se sim, o que você acha que elas são cada uma?

Minha resposta a esta pergunta está enraizada em numerosas conversas com vários outros estudantes de doutorado escrevendo sobre vários assuntos pentecostais e trabalhando para desenvolver teologias pentecostais construtivas. A pergunta desta pessoa foi o resultado de um bom amigo, Daniel Isgrigg (PhD, ABD), que usou a linguagem “Escola de Springfield” em seu trabalho de doutorado com relação à corrente de pentecostal das Assembleias de Deus bem como a outra anteriormente rotulada “Escola de Cleveland” (devido à sua localização em Cleveland, Tennessee [EUA], como parte do trabalho do Pentecostal Theological Seminary e mais propriamente do Center for Pentecostal Theology).

Veja minha resposta abaixo:

Tive várias conversas com Daniel Isgrigg sobre o uso do rótulo “Escola de Springfield”. É altamente problemático e o único (até onde sei) que o usou para escrever foi James K.A. Smith que escreveu “Escola de Springfield(?)” em uma nota de rodapé e não parece considerá-la como uma “escola” de pensamento ou metodologia. [1] Meu próprio argumento é que não é realmente uma “escola”, embora seja lá o que for, possa de fato representar as visões da maioria de interpretação, etc. dentro de círculos pentecostais mais amplos. No entanto, a Escola de Cleveland mantém ideias e métodos particulares [2], tem uma editora produzindo obras significativas de teologias pentecostais construtivas, opera o Journal for Pentecostal Theology e continua a produzir numerosos PhDs seguindo suas trajetórias.

Acredito que a resposta de acompanhamento do meu amigo no Facebook representa em grande parte as distinções, mesmo que apenas a de Cleveland pudesse ser chamada de "escola" no sentido adequado pelos meus cálculos.

Minha observação (talvez eu esteja errado) é que a "Escola de Springfield" seja mais reformada, evangélica, dispensacionalista, fundamentalista, enquanto a "Escola de Cleveland" seja mais wesleyana e se esforça para produzir uma distinção hermenêutica entre o pentecostalismo e o resto do evangelicalismo. A Escola de Cleveland *parece* estar mais confortável com a Grande Tradição da Igreja do que a “Escola de Springfield”. Estou errado? Parece haver um “sentimento” diferente, por falta de uma palavra melhor.

Como tal, meu argumento é a favor de uma legítima Escola de Teologia Pentecostal de Cleveland em crescimento, mas permaneço não persuadido de que qualquer “Escola de Springfield” real já se formou em algo comparável [em relação à de Cleveland]. Não quer dizer que não vá ou que as instituições (editoriais e acadêmicas) a ela associadas não tenham produzido nada. Eles fizeram e continuarão a fazê-lo, mas não neste ponto da mesma maneira distinta que a Escola de Cleveland, mais apropriadamente rotulada.

      Transparência total: Sou ordenado e leciono/administro em uma faculdade associada a Springfield, mas estou concluindo um doutorado pela Escola de Cleveland e faço grande uso de suas ferramentas metodológicas e espirituais.

____________________________

[1] J.K.A. Smith, Thinking in Tongues (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2010), p. 6n13 [Pensando em Línguas. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020, p.39), é a nota de rodapé em que Smith questiona se pode haver uma “Escola de Springfield (?)

[2] K.J. Archer, ‘The Making of an Academic Pentecostal Tradition: The Cleveland School’. Artigo apresentado na Society for Pentecostal Studies (março de 2016). Archer defende neste artigo uma série de figuras-chave relacionadas à “Escola de Cleveland”, bem como certas características dela, como hermenêutica, epistemologia e espiritualidade.


Nota do Tradutor:

P.s: Para a ler a postagem original, clique aqui.

P.s 2: Quando é mencionada a Escola de Springfield como "reformada" não é no sentido soteriológico calvinista, mas sim "reformada" no sentido de não ser wesleyana na pneumatologia, pois, durante os dez primeiros anos do pentecostalismo, todos os pentecostais vieram do Movimento de Santidade, que é wesleyano.

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Avaliações Reformadas do Arminianismo - Richard Mouw




Em um artigo recente no Christian Century, Sarah Hinlicky Wilson e Thomas Albert Howard discutiram as maneiras apropriadas para os protestantes celebrarem o próximo quinto centenário das 95 Teses de Lutero. Eles propuseram que essa comemoração deveria incluir algum arrependimento protestante pelos pecados que cometemos em nosso rompimento com Roma. A mesma recomendação deve ser aplicada, quero insistir, às celebrações que alguns de nós faremos pela adoção dos Cânones do Sínodo de Dort em 1618-1619.

Que os calvinistas tenham algo a se arrepender sobre o tratamento que deram às pessoas no passado com outras perspectivas teológicas deveria ser óbvio ao se olhar honestamente para a nossa história calvinista. Meu filho recebeu um lembrete um tanto rude de nosso passado calvinista quando dava uma aula introdutória à história americana na Universidade de Iowa. Na última aula do semestre ele pediu aos alunos que avaliassem as leituras atribuídas no curso. Um livro que leram era sobre a escravidão afro-americana, e meu filho notou que foi escrito por um historiador branco. Teria sido melhor, perguntou ele, ler sobre a experiência do escravo em um texto escrito por um afro-americano? Todos concordaram que teria sido uma coisa boa. E o capítulo, em outro texto, sobre os movimentos feministas do século 19, também escrito por um homem branco - teria sido mais lucrativo ler o relato de uma mulher dessa história? Novamente, os alunos concordaram. Bem, meu filho continuou, e quanto aos escritos sobre o puritanismo? Os puritanos eram calvinistas, mas nenhum dos autores que eles leram tinha convicções calvinistas. Isso também foi um defeito?

Nesse ponto, os alunos estavam em silêncio. Depois de alguns momentos, meu filho apontou para um jovem na primeira fila: “O que você acha disso?” O jovem fez uma pausa e respondeu: “Cara, os calvinistas são assustadores!”

Esse jovem pode ter sido um pouco exagerado em sua declaração. Mas ele não estava totalmente errado de uma perspectiva histórica. Há muitas evidências da realidade assustadora do calvinismo.

No livro Prince Charles’s Puritan Chaplain [Capelão Puritano do Príncipe Charles] (George Allen and Unwin, 1957)  o historiador Ironwy Morgan nos fala sobre uma série de conferências que a Igreja da Inglaterra patrocinou em 1626 para considerar uma proposta do partido Puritano de que os Cânones de Dort fossem adotados como um padrão confessional anglicano oficial. A certa altura, relata Morgan, Francis White, um líder do partido arminiano, pôs-se de pé e dirigiu-se aos oficiais presidentes com este apelo apaixonado: “Imploro a nossos Lordes que nós, da Igreja da Inglaterra, não peçamos emprestado uma nova fé de uma aldeia qualquer na Holanda.”

A própria lealdade que tenho à teologia produzida nas aldeias holandesas é profunda. Mas também estou ciente das maneiras pelas quais essas percepções teológicas têm sido constantemente transmitidas e empacotadas na forma de um calvinismo genuinamente assustador. Quaisquer que sejam as divergências que meus ancestrais holandeses tiveram, por exemplo, com aqueles que ensinaram que o batismo de adultos por imersão é a única prática batismal legítima, era muita crueldade por parte daqueles calvinistas expressarem suas discordâncias afogando os anabatistas. E embora eu concorde com a teologia básica do Sínodo de Dort, sinto um desconforto considerável ao ler as expressões retóricas empregadas nas seções dos Cânones que condenam os ensinamentos de Armínio e seus seguidores.

O que eu quero fazer aqui, então, não é apenas emitir uma confissão calvinista de pecado contra minhas irmãs e irmãos arminianos em Cristo, mas concretizar essa confissão apontando alguns recursos que meus companheiros cristãos reformados deveriam levar a sério no cultivo de uma pessoa mais amável e engajamento gentil com aqueles na tradição arminiana. Iniciarei esse esforço baseando-me em dois testemunhos de líderes do século 19, cada um deles uma pessoa de credenciais calvinistas incontestáveis, expressando profundo apreço pelos dons espirituais dos arminianos.


SPURGEON E KUYPER SOBRE ARMINIANOS

Meu primeiro testemunho vem de Charles Spurgeon, conhecido por seu forte compromisso com o tipo de teologia calvinista estabelecida nos Cânones de Dort. De fato, o testemunho que irei contar aqui vem de seu livro “Defesa do Calvinismo”, no qual ele oferece uma base lógica para as doutrinas calvinistas básicas e até mesmo rotula o arminianismo de heresia no decurso de fazê-lo. Em certo ponto, porém, Spurgeon se refere às duras condenações a John Wesley por muitos de seus contemporâneos calvinistas. “As coisas mais atrozes foram ditas sobre o caráter e a condição espiritual de John Wesley, o príncipe moderno dos arminianos”, diz ele. Spurgeon começa sua resposta garantindo aos calvinistas mais sórdidos que ele se opõe a grande parte da teologia de Wesley. Como esses outros calvinistas, ele escreve: “Eu detesto muitas das doutrinas que ele [Wesley] pregou.” Mas então Spurgeon foca na pessoa de John Wesley: “ainda para o próprio homem”, ele diz, “Eu tenho uma reverência que não é menor do que nenhum wesleyano”. E neste ponto seu tom torna-se positivamente brilhante:

Se quisessem dois apóstolos para serem acrescentados ao número dos doze, não creio que pudessem ser encontrados dois homens mais adequados para serem acrescentados do que George Whitefield e John Wesley. O caráter de John Wesley está além de qualquer imputação de abnegação, zelo, santidade e comunhão com Deus; ele vivia muito acima do nível comum dos cristãos comuns e era um "de quem o mundo não era digno". Eu acredito que há multidões de homens que não podem ver essas verdades [calvinistas], ou, pelo menos, não podem vê-las da maneira como as colocamos, que, no entanto, receberam a Cristo como seu Salvador, e são tão queridas ao coração de o Deus da graça como o calvinista mais sólido dentro ou fora do céu.

Para ter certeza, podemos lamentar - como eu certamente faço - o uso de Spurgeon de uma palavra como detestar ao se referir à teologia wesleyana. Mas, ainda assim, podemos comemorar que ele viu Wesley como digno de ser contado na companhia dos apóstolos originais.

Meu segundo testemunho vem de Abraham Kuyper, também um defensor da ortodoxia calvinista. Kuyper era uma importante figura pública que frequentemente sofria de períodos de exaustão física e mental. Uma dessas lutas ocorreu em 1875, quando ele servia como membro recém-eleito do parlamento holandês, ao mesmo tempo que editava um jornal diário que havia criado. Para uma licença de descanso, ele escolheu ir para a Inglaterra, onde assistiu às reuniões de Robert Pearsall Smith e sua esposa, Hannah Whitehall Smith, em Brighton. Seus ensinamentos de santidade wesleyana tiveram um impacto profundo em Kuyper, e quando ele retornou a seus papéis de liderança pública na Holanda, ele o fez com um senso renovado da importância de uma piedade pessoal que se inspirava mais profundamente no poder do Espírito Santo.

Por um tempo, Kuyper escreveu coisas muito positivas sobre o Movimento de Santidade Wesleyana, embora eventualmente tenha se desiludido com a liderança em Brighton, principalmente por causa de alguns escândalos sexuais altamente divulgados. Essa desilusão, por sua vez, ocasionou algumas objeções teológicas retrospectivas ao Movimento de Santidade em geral, especialmente por causa do que ele viu como o fracasso do movimento em reconhecer adequadamente a integridade da realidade criada e as preocupações políticas. Por tudo isso, porém, ele nunca retirou seu elogio pela renovação pessoal que experimentou em Brighton, e continuou a enfatizar, muito mais do que antes de sua estada na Grã-Bretanha, a importância do desenvolvimento da espiritualidade pessoal, convocando, por exemplo, para uma maior ênfase no cultivo da piedade na educação teológica.

Desnecessário dizer que nenhum desses dois testemunhos sobre os aspectos positivos do pensamento e prática armínio-wesleyanos é puro em seu louvor. Mas cada um deles é, em seu contexto, uma partida do que Spurgeon e Kuyper experimentaram dentro de suas próprias comunidades calvinistas do século XIX. E dada a realidade de que tal retórica tipicamente dura sobre o arminianismo ainda é evidente em segmentos do calvinismo contemporâneo, os elementos positivos nas avaliações de Spurgeon e Kuyper merecem ser repetidos nos dias de hoje.


QUASE PERFEITO? SÉRIO?

Não é suficiente, entretanto, para os calvinistas simplesmente começarem a dizer coisas mais agradáveis ​​sobre os arminianos, por melhor que seja essa mudança de tom. Uma necessidade mais importante é que os calvinistas façam uma visão crítica na retórica que frequentemente empregamos ao descrever as virtudes de nossa própria teologia. O que tenho em mente em particular é o tipo de afirmação feita em um livro escrito por R.B. Kuiper, um líder reformado holandês-americano na década de 1920. Ao apresentar seu caso básico para as virtudes do pensamento calvinista, ele emitiu uma série de afirmações ousadas. Aqui está um deles, de seu livro As to Being Reformed [Como Ser Reformado] (Eerdmans, 1926), que me parece especialmente infeliz: “calvinismo”, escreveu ele, “é a interpretação mais próxima da perfeição do Cristianismo. Em última análise, Calvinismo e Cristianismo são praticamente sinônimos.” E para reforçar seu ponto, ele citou um sentimento semelhante do grande teólogo de Princeton do século 19, Benjamin Warfield: “O calvinismo é apenas religião em sua pureza. Temos somente, portanto, que conceber a religião em sua pureza, e isso é o calvinismo ”(Benjamin B. Warfield: Selected Shorter Writings, Presbyterian and Reformed, 1970).

Acho essas observações constrangedoras - e não apenas porque são ofensivas para meus amigos não calvinistas. Essas observações deveriam ser ofensivas para os próprios calvinistas, uma vez que eles reivindicam além da conta o calvinismo. Em que sentido R.B. Kuiper acreditava que o calvinismo é a interpretação “quase perfeita” do Cristianismo? Bem, para seu crédito, ele deixa claro que não quer dizer que apenas os calvinistas são cristãos verdadeiros. Ele se via fazendo um ponto muito mais caridoso, a saber, que todos os verdadeiros cristãos são, quer saibam ou não, calvinistas de coração. Uma pessoa, ele diz, “pode não se chamar calvinista; ele pode até se ressentir de ser chamado por esse nome ”- mas é isso que ele é“ em última análise ”se ele“ vive em total dependência de Deus ”.

Spurgeon defendeu o caso de maneira semelhante ao defender o sistema calvinista. Se alguém lhe perguntasse, disse ele, o que ele quis dizer quando se identificou como calvinista, ele responderia dizendo que o pensamento calvinista se resume a esta afirmação: “A salvação é do Senhor”. Qualquer cristão que fizer esta declaração sinceramente - que a salvação só pode vir pela graça soberana - está essencialmente endossando o coração do calvinismo, diz Spurgeon, qualquer outra coisa que a pessoa subscreva explicitamente em seu sistema teológico

Uma das minhas objeções a esta maneira de defender o calvinismo é semelhante ao meu desconforto com o uso do rótulo de "cristãos anônimos" pelo jesuíta Karl Rahner para se referir a, digamos, muçulmanos ou hindus que podem realmente ser motivados por uma genuína espírito parecido com Cristo, embora nunca afirmem aderir a ensinamentos exclusivamente cristãos. Estudiosos que representam essas outras tradições de fé reclamaram - e acho que com razão - que o rótulo de “cristão anônimo” é uma expressão da arrogância cristã. Hindus e muçulmanos querem ser levados a sério pelos cristãos exatamente pelo que acreditam como hindus ou muçulmanos. Tenho a mesma sensação quanto a aplicar a meus amigos wesleyanos ou católicos o rótulo de "calvinistas anônimos".

Mas meu desconforto com a afirmação de que o calvinismo é simplesmente o cristianismo como entendido corretamente vai ainda mais fundo, e tem a ver com o comentário de R.B. Kuiper de que o calvinismo é "a interpretação mais próxima da perfeição do cristianismo". Minha sensação clara ao ler esse tipo de declaração é que a pessoa que a expressa está realmente pensando em termos quase exclusivamente soteriológicos. E é nessa área da teologia que tendo a concordar com os tipos de doutrinas que Kuiper tinha em mente. Os Cânones de Dort, por exemplo, apresentam uma compreensão elaborada de como uma pessoa pode estar em comunhão com Deus: Somos totalmente incapazes, como rebeldes caídos, de iniciar ou contribuir para a salvação de que precisamos desesperadamente; para que essa salvação aconteça, Deus deve tomar a iniciativa de eleger; a graça soberana que torna isso possível é uma graça focada e preservadora, e assim por diante.

Estou bem com tudo isso. Mas há muitos outros tópicos que devem ser incluídos em uma “interpretação mais próxima da perfeição do Cristianismo”, e tenho fortes discordâncias com muitos de meus companheiros calvinistas sobre esses assuntos. Sei que R.B. Kuiper teria problemas com muitos elementos de minha eclesiologia, uma vez que ultrapassássemos nossas convicções soteriológicas compartilhadas. E o pensamento batista de Spurgeon incluía uma sacramentologia que considero altamente problemática em pontos-chave. Além disso, muitas das minhas próprias preocupações teológicas hoje em dia me colocam em conflito com outros calvinistas que têm perspectivas muito diferentes das minhas em assuntos como graça comum, revelação geral, antropologia teológica, escatologia e a relação entre fé e ciência. Minha própria experiência como calvinista certamente não me dá a confiança de que entrei em uma comunidade que foi agraciada com uma “interpretação mais próxima da perfeição do Cristianismo”!


APRENDENDO COM OS ARMINIANOS

Quando li o excelente estudo histórico de Elizabeth Rapley sobre as ordens religiosas católicas The Lord as Their Portion: The Story of the Religious Orders and How They Shaped Our World) [O Senhor como sua porção: A história das ordens religiosas e como elas moldaram nosso mundo] há alguns anos, fiquei impressionado com a forma como a Igreja Católica Romana historicamente abraçou a realidade das diferenças espirituais e até teológicas em seu meio. Protestantes de mentalidade ecumênica muitas vezes lamentam a maneira como a Reforma gerou uma escandalosa fratura denominacional, e essa reclamação é legítima. Mas à sua maneira, o catolicismo gerou seu próprio pluralismo, na forma de uma ampla variedade de ordens religiosas.

Em um de meus muitos diálogos públicos durante a década de 1970 com o falecido John Howard Yoder sobre as perspectivas reformada versus anabatista, obtive uma resposta especialmente irritada de Yoder quando confessei que, embora eu não fosse um pacifista, estava feliz por haver pacifistas para argumentar, porque aqueles de nós na tradição da guerra justa devem ser chamados a prestar contas por nossa tendência de aprovar o excesso de violência militar.

Yoder interpretou meu elogio aos compromissos pacifistas dos menonitas como uma expressão profundamente ofensiva de condescendência: os menonitas podem estar errados ao rejeitar todas as formas de violência militar, eu estava dizendo, mas é útil ter pessoas com esse pensamento assim por perto. E eu entendi a ofensa que Yoder sentiu. Os cristãos anabatistas acreditam genuinamente que o compromisso com a não-violência consistente é algo que deve ser exigido de todos os cristãos. Eles veem o pacifismo como essencial para seguir a Via Sacra.

Não é assim, porém, para muitos na comunidade católica que estão comprometidos com a não violência consistente. Um frade franciscano certa vez me descreveu seu compromisso com a não violência - um voto feito por todos os franciscanos - à luz de seu compromisso com um estilo de vida celibatário. É óbvio, ele observou, que o celibato não é exigido de todo seguidor de Jesus. Abster-se de qualquer relação genital-sexual está associado a um voto especial que se faz ao se comprometer com a participação em uma comunidade que a tornou parte de seu modo de vida geral. E, acrescentou, o mesmo se aplica à não violência. Ele não se opunha à violência militar como tal, mas estava convencido de que manter comunidades que se comprometeram a trabalhar para viver um estilo de vida consistentemente não violento é uma coisa positiva - não apenas para nutrir virtudes específicas nos membros das comunidades que exigem o voto, mas também como uma testemunha para a comunidade humana mais ampla. “Esperamos poder inspirar uma consideração mais criativa das estratégias não violentas por pessoas que não fizeram nossos votos”, disse ele.

Acho que essa abordagem de “votos especiais” para formar subgrupos dentro da comunidade cristã mais ampla é atraente. Para ter certeza, pode haver argumentos legítimos sobre se uma área específica de crença ou prática deve ser relegada a esse status. Por exemplo, estou comprometido em dizer a verdade e respeitar a propriedade de outras pessoas, e estes não são baseados em votos especiais - acredito que sejam requisitos para a vida humana. Mas acho que muitas de nossas antigas divergências teológicas podem ser vistas de uma maneira mais positiva se as virmos como compromissos de “votos especiais”.

Aqui está como eu vejo isso se aplicando às nossas diferenças calvinistas versus arminianas. No coração do calvinismo está uma profunda convicção sobre a soberania de Deus. Considero crucial para meu chamado calvinista fazer o máximo que puder para chamar a atenção para a soberania divina e trabalhar para extrair suas implicações para a compreensão de uma ampla gama de tópicos importantes para a vida e o pensamento cristão. Quando penso que a opinião de outra pessoa sobre algum assunto teológico corre o risco de prejudicar uma forte ênfase na soberania divina, vou querer desafiá-la com uma pergunta sobre o governo soberano de Deus acerca de toda a vida criada.

Eu reconheço os perigos de fazer disso um tipo especial de voto teológico. Em A Gathered Church: the Literature of the English Dissenting Interest, 1700-1930 [Uma Igreja Reunida: a Literatura do Interesse Dissidente Inglês, 1700-1930] (Oxford, 1978), sua discussão sobre a teologia puritana inglesa, Donald Davie corretamente observou que “poucos de nós gostariam de viver com os princípios calvinistas de eleição e reprovação em sua ferocidade primitiva do século XVII. ” Devo confessar que encontro mais do que indícios dessa ferocidade nos Cânones de Dort, não tanto nas afirmações teológicas positivas do documento, mas nas condenações frequentemente detalhadas dos ensinamentos de Jacó Armínio e seus simpatizantes. Que os arminianos não foram tratados com justiça em Dort fica abundantemente claro no excelente estudo da teologia de Armínio publicado recentemente por Keith Stanglin e Thomas McCall - Jacobus Arminius: Theologian of Grace [Jacó Armínio: Teólogo da Graça].

Infelizmente, a ferocidade que frequentemente caracterizou o calvinismo do século 17 continua viva em alguns círculos. Como alguns de nós nos arrependemos desses pecados passados, enquanto procuramos por fatores teológicos e espirituais que podem substituir a ferocidade doutrinária por um engajamento respeitoso sobre divergências teológicas importantes, estou convencido de que podemos realmente encontrar alguns elementos atenuantes nos próprios cânones. Por exemplo, quando em um ponto a discussão nos cânones parece estar se apoiando em uma noção perigosamente mecânica da dispensação da graça soberana, os autores repentinamente introduzem um tom revigorante de gentileza ao afirmar que "esta graça divina da regeneração não age nas pessoas como se fossem blocos e pedras; nem abole a vontade e suas propriedades ou coage uma vontade relutante pela força, mas revive espiritualmente, cura, reforma e - de uma maneira ao mesmo tempo agradável e poderosa - a dobra para trás ”(Canons of Dort, Third and Fourth Main Points of Doctrine, Article 16 [Cânones de Dort, Terceiro e Quarto Pontos Principais da Doutrina, Artigo 16]). 

Isso, eu sugiro, é um tom útil. Mas não é suficiente afastar todos os perigos associados ao voto calvinista de guardar a ideia da soberania divina a todo custo. Estou convencido de que nós calvinistas precisamos de pessoas que fizeram votos diferentes - neste caso, o voto arminiano de proteger nossa dignidade humana criada contra qualquer sugestão de que somos meros "blocos e pedras", opondo-se a qualquer sugestão de que Deus simplesmente escolha "coagir um vontade relutante pela força.”.

Os calvinistas precisam aprender lições corretivas de nossos irmãos e irmãs arminianos. Abraham Kuyper estava certamente ciente dessa necessidade quando visitou as reuniões wesleyanas em Brighton, e acho que ele entendeu que a solução não era simplesmente unir a soteriologia calvinista com a piedade wesleyana. Por apreciar o exemplo wesleyano, os reformados precisam cultivar sua própria versão de devoção à santidade, que inspire nova vitalidade espiritual na própria doutrina calvinista. Também aqui se pode obter ajuda dos cânones. Uma das minhas passagens favoritas naquele documento confessional trata de um tópico constantemente debatido entre os calvinistas: a garantia de nossa eleição. Aqui está o que os cânones dizem sobre o assunto:

A garantia disso é que sua eleição eterna e imutável para a salvação é dada aos eleitos no tempo devido, embora por vários estágios e em medidas diferentes. Essa certeza não vem por uma busca inquisitiva nas coisas ocultas e profundas de Deus, mas por perceberem dentro de si, com alegria espiritual e santo deleite, os frutos inconfundíveis da eleição apontados na Palavra de Deus - como uma fé verdadeira em Cristo, uma temor de Deus, uma tristeza segundo Deus por seus pecados, uma fome e sede de justiça, e assim por diante. (Canons of Dort, First Main Points of Doctrine, Article 12 [Cânones de Dort, Primeiros Pontos Principais da Doutrina, Artigo 12])

Estou especialmente satisfeito com a frase final: "e assim por diante." Isso indica um reconhecimento implícito de que ainda há mais a cultivar em nossas jornadas espirituais. Os calvinistas têm muito a aprender sobre como praticar “alegria espiritual e santo deleite” sobre o que Deus está fazendo em nossas vidas. E um bom lugar para começar é com o tipo de lição ensinada pela afirmação maravilhosa de Charles Wesley de que nosso Deus soberano deve ser adorado como a "Alegria do céu, à terra desça", um redentor gracioso que, em "amor puro e ilimitado" escolheu “entrar em todo coração trêmulo”.


Richard J. Mouw leciona no Fuller Theological Seminary, Pasadena, Califórnia, onde foi presidente por 20 anos.

Nota do tradutor [Marlon Marques]: Para ler o texto original em inglês, clique aqui.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

O Pentecostalismo é Dispensacionalista? Uma Resposta Honesta a Uma Pergunta Difícil (Tony Richie)

 

Tony Richie[1]

 

Tradução: Marlon Marques[2]

 

Introdução

            Uma crise crescente no atual horizonte global está centralizada no chamado “Sionismo Cristão”. A controvérsia ao redor do Sionismo Cristão dá-se a partir de sua associação com práticas políticas na incessante e cada vez mais instável região do Oriente Médio envolvendo israelenses e palestinos. Embora seja uma grande simplificação, o Sionismo Cristão é geralmente abordado como uma posição teológica com implicações políticas. Entretanto, o Sionismo Cristão é muito difícil de ser retratado porque ele existe em diferentes formas, variando de indivíduos ou grupos que geralmente apoiam os direitos dos israelenses contemporâneos estarem em sua antiga terra até ativistas políticos amplamente organizados com vários graus de radicalismo.[3] Os primeiros geralmente citam valores bíblicos e humanitários em defesa de seu apoio a Israel. Alguns dos últimos tendem a ser completamente acríticos às políticas e práticas israelenses, abertamente agressivos contra seus oponentes e totalmente alheios ou despreocupados com a situação dos palestinos e de outras pessoas religiosas. Muito da base para a última posição parece ser construída sobre uma forma específica de ideologia dispensacionalista.

            Como o ataque terrorista de 11 de setembro ao World Trade Center e a Guerra ao Terror dos EUA, incluindo guerras no Afeganistão e no Iraque, e possivelmente em breve, no Irã, certamente sugerem, as políticas em relação à região do Oriente Médio podem ser voláteis e até vulcânicas. O papel da religião é de importância central. Parece apropriado investigar os fundamentos de filosofias baseadas na fé em relação à violência regional e mundial decorrente da atual crise do Oriente Médio. Este artigo enfoca uma dessas filosofias, o dispensacionalismo, e seu papel no desenvolvimento de um movimento pentecostal, um ator importante no cenário religioso mundial. Minha pergunta não é se alguns ou mesmo muitos pentecostais são dispensacionalistas. Que eles são é um fato estatístico facilmente comprovado. Mas estou perguntando, mais claramente, se o pentecostalismo em si é dispensacionalista. Em outras palavras, há algo sobre o próprio pentecostalismo essencialmente, inevitavelmente ou irremediavelmente emaranhado com ideias dispensacionalistas?

           

Um testemunho pessoal

            Minha repentina introdução ao dispensacionalismo veio quase imediatamente após minha conversão como um adulto jovem. Graciosamente, recebi, por meio de um devoto diácono batista, uma Bíblia de Estudo Scofield (C. I. Scofield, 1909), baseada no ensino dispensacionalista de John Nelson Darby (1800-82), e fui encorajado a digerir seu conteúdo. Pouco tempo depois, quando visitei meu pai, pregador pentecostal em outro estado, levei-a comigo para pedir conselhos sobre a recomendação de leitura. Papai sugeriu sabiamente que eu poderia estudá-la com proveito, mas que precisava ter em mente que apenas o texto bíblico foi divinamente inspirado e não as notas de estudo e suas interpretações. Eu devorei seu conteúdo. Assim, conheci o dispensacionalismo, um sistema de interpretação bíblica que divide a história bíblica e a revelação em compartimentos herméticos isolados não apenas de nossa era contemporânea, mas também uns dos outros. A abordagem dispensacionalista era atraente para mim porque parecia dar sentido a algumas das porções mais complicadas das Escrituras, como os livros de Daniel e Apocalipse, e fornecer um padrão para entender a profecia bíblica, especialmente os eventos do tempo do fim. Contudo, embora inicialmente emocionado com os apontamentos que parecia fornecer, eventualmente fiquei desapontado ao descobrir que invalidava firmemente qualquer atividade contínua dos dons espirituais, incluindo falar em línguas, cura divina ou sinais miraculosos de qualquer tipo. Isso ia completamente contra a minha educação pentecostal (cf. At 2, 10, 19: 1-7; 1 Co 12-14). Também me lembro da surpresa de ser informado que o glorioso Sermão da Montanha de Jesus (Mt 5-7) é inaplicável hoje porque cai em uma dispensação diferente. Eu lentamente usei minha Bíblia Scofield cada vez menos e finalmente descartei-a completamente.

            Alguns anos depois, no entanto, tive o prazer de saber que a Bíblia de Estudo Dake (Finis Dake, 1961, 1963) incluía todos os apontamentos da Bíblia de Estudo Scofield e mais outros pontos, entretanto, ainda afirmava a experiência pentecostal e os dons espirituais. Era especialmente conhecida por suas percepções dispensacionalistas sobre escatologia ou profecia bíblica. Com alguma despesa (sacrificial!) desta vez, consegui adquirir uma cópia. Mais uma vez, devorei seu conteúdo avidamente. Nesta ocasião, eu já era pastor pentecostal e conheci muitos colegas que também se apropriavam da Bíblia Dake. No entanto, e apesar do conhecimento quase enciclopédico de seu autor, comecei a sentir uma tensão interna um tanto inexplicável entre seus ensinos dispensacionalistas, especialmente sua abordagem de texto-prova, e minha própria leitura pessoal da Bíblia. Novamente, eu lentamente a usei cada vez menos, finalmente descartando-a completamente. Nesse caso, porém, o descarte foi acompanhado de culpa. Afinal, esta era uma Bíblia de estudo pentecostal. Eu me indaguei um pouco sobre o que estava acontecendo. Fiquei, portanto, muito aliviado como pastor-estudante, passando por nosso seminário denominacional (Church of God Theological Seminary), ao ouvir alguns de nossos professores (por exemplo, Hollis Gause e Steve Land) explicando finalmente que pentecostalismo e dispensacionalismo são inerente e inquestionavelmente incompatíveis.[4] As ideias dispensacionalistas, no entanto, são difíceis de serem extintas. Embora eu tenha tido que processá-lo lentamente, pessoalmente cheguei a entender a natureza em última análise insatisfatória do dispensacionalismo, tanto como uma hermenêutica bíblica quanto em sua ligação com o pentecostalismo.[5] Mas embora eu rejeite o "darbynismo", ou "dispensacionalismo fundamentalista", ainda procuro reter a autêntica energia escatológica da minha amada teologia pentecostal.

Agora eu percebo que minha experiência pessoal com o dispensacionalismo é uma reconstituição individual do encontro geral do movimento pentecostal com o dispensacionalismo. Como o historiador pentecostal Dwight Wilson registra com perspicácia, a interpretação pentecostal da história, reconhecida e fortemente "influenciada por sua crença pré-milenista de que a restauração de Israel à Palestina é um sinal seguro do retorno iminente de Cristo", ainda tenho dificuldade em aplicar o dispensacionalismo aos desenvolvimentos em relação à região, alternadamente abraçando e evitando aspectos significativos.[6] Tanto meu testemunho pessoal quanto a história do pentecostalismo implicam em uma descontinuidade subjacente e irreparável entre o dispensacionalismo darbynista tradicional e o pentecostalismo contemporâneo. No entanto, os pentecostais têm demonstrado uma fascinação peculiar pelo dispensacionalismo. Ao longo dos anos, participei de várias "conferências de profecia" ou "seminários de profecia" pentecostais, sem mencionar os estudos bíblicos da igreja local, com uma incrível variedade de gráficos coloridos espalhados diante do grupo enquanto um "professor de profecia" explicava com entusiasmo todo o curso de eventos mundiais de acordo com um paradigma dispensacionalista.

 

Uma história enigmática

O estudioso bíblico pentecostal French Arrington detalha a popularização do dispensacionalismo por John Nelson Darby e por C. I. Scofield. Arrington descreve o dispensacionalismo como "um esquema interpretativo enxertado no corpo tradicional da doutrina cristã". Ele o define mais especificamente como uma "suposição básica de que Deus lida com a raça humana em dispensações sucessivas." Uma dispensação é um período de tempo marcado por um início, um teste e um término em julgamento de cada dispensação por falha humana ou pecado. Embora o dispensacionalismo tenha influenciado a teologia pentecostal, provavelmente por causa do apego ávido de ambos à escatologia, "os primeiros ensinamentos pentecostais não estavam ligados diretamente ao dispensacionalismo". Na opinião de Arrington, as declarações de fé das principais denominações pentecostais "as comprometem com o pré-milenismo, mas não necessariamente com o dispensacionalismo". Contudo, muitos pentecostais realmente adotaram um paradigma dispensacionalista. Ele vincula o apelo do dispensacionalismo por muitos pentecostais ao fato de ser um quebra-cabeça conveniente, mas complicado, que organiza a história bíblica e as Escrituras proféticas. Arrington avalia abertamente o "casamento da ênfase pentecostal com o dispensacionalismo" como "estranho" por causa da negação do último da validade contínua dos dons espirituais (cessacionismo), como a cura divina ou o falar em línguas, práticas importantes para os pentecostais. No entanto, Arrington admite que a influência do dispensacionalismo sobre o pentecostalismo não foi desprezível. No entanto, escritores pentecostais que usam paradigmas dispensacionalistas geralmente não o fazem de forma acrítica ou inequívoca, e os estudiosos recentes do movimento mostram cada vez menos dependência do dispensacionalismo.[7] A atração pentecostal contínua pelo dispensacionalismo torna-se ainda mais intrigante à luz da rejeição explícita e até ácida dos pentecostais por parte dos dispensacionalistas fundamentalistas.[8]

O dispensacionalismo, especialmente do tipo popular Darby-Scofield, evidencia elementos inatos essencialmente em desacordo com o etos autêntico da espiritualidade e teologia pentecostal. O pentecostalismo não é dispensacionalista.[9] Elementos do dispensacionalismo militam contra o pentecostalismo. Um fato lamentável é que os pentecostais se deixaram levar a aceitar uma teologia dispensacionalista que, literalmente, por definição, mina sua própria identidade. Um desafio importante do movimento de amadurecimento é corrigir esse erro e suas implicações. Se considerarmos o dispensacionalismo deficiente, então quais são as abordagens alternativas apropriadas para interpretar a história bíblica e abordar eventos atuais e futuros de um ponto de vista que afirme a inspiração e autoridade das Escrituras, incluindo seus elementos proféticos ou preditivos, mas evitando uma hermenêutica e ideologia esotérica e exclusivista (veja abaixo)?

 

Uma espiritualidade promíscua

Antes de discutir uma alternativa adequada para os pentecostais ao dispensacionalismo fundamentalista, pode ser útil mostrar que o movimento pentecostal tem uma tendência a uma espiritualidade que transborda as margens dos limites esperados (respeitáveis​​!?). Essa energia transbordante é particularmente indicativa da capacidade inata do pentecostalismo de mitigar a aspereza e estreiteza da mentalidade dispensacionalista típica e ilustra uma incompatibilidade de seu etos autêntico e original com tendências óbvias de exclusividade e reclusão no dispensacionalismo. Apesar de alguma história contundente em contrário, o pentecostalismo às vezes exibe uma tendência surpreendente e agradável de ser ecumênico[10] e inclusivo.[11] Por exemplo, o Avivamento e Missão da Rua Azusa incorporou claramente várias correntes de espiritualidade em uma força de energia elétrica (bastante elétrica!). As espiritualidades afro-americanas e wesleyanas de santidade se encontraram e se mesclaram com o reavivamento americano e os costumes do sul para produzir uma forma potente das correntes primitivistas e restauracionistas bíblica  e pragmática.[12] As tendências ecléticas e ecumênicas são exemplificadas ainda mais na ascensão e alcance da Renovação Carismática de meados do século XX, e na vitalidade das atuais variedades não ocidentais (África, América Latina e Ásia) do pentecostalismo.[13] Na verdade, em uma discussão sobre a natureza eclética e ecumênica do pentecostalismo intitulada "Três córregos - Um rio", o historiador e analista do pentecostalismo Vinson Synan previu que “o futuro do Cristianismo será moldado pelo desenvolvimento do Terceiro Mundo, com igrejas pentecostais indígenas interagindo com vigorosos elementos carismáticos nas igrejas tradicionais.”[14] Essas palavras agora parecem meio que proféticas quase 25 anos depois.

Claramente, pode-se argumentar que o pentecostalismo não pode ser estritamente contido dentro dos limites restritivos da ideologia dispensacionalista. Portanto, embora alguns, ou mesmo muitos, pentecostais tenham sido e sejam dispensacionalistas, o próprio pentecostalismo se recusa a ser vinculado pelo dispensacionalismo. A energia transbordante dos rios pentecostais do Espírito (cf. Jo 7:37-39) atinge campos férteis em todos os tipos de lugares surpreendentes e paradigmas doutrinários. Portanto, ser pentecostal e não dispensacionalista não só é possível, mas talvez muito preferível. A liberdade da presença libertadora do Espírito Santo (cf. 2Co 3:17) rompe as amarras do árido dogmatismo dispensacionalista. Portas e janelas são abertas para o vento do Espírito soprar (cf. João 3: 8), para respirar ar fresco em todos os corredores, quartos e cantos da casa pentecostal. Sem denegrir os pentecostais que veem o dispensacionalismo como parte integrante de sua visão de mundo, o próprio pentecostalismo não terá um alcance mais amplo negado.

 

Uma teologia provocativa

R. Hollis Gause, um teólogo pentecostal proeminente (Church of God, Cleveland, TN),[15] elucida uma alternativa ao dispensacionalismo fundamentalista por meio de uma comparação cuidadosa entre a teologia dispensacionalista e uma teologia da revelação progressiva. Gause explica que a revelação progressiva não divide a história bíblica como o dispensacionalismo propaga. Não faz distinção hermenêutica entre a Igreja, Israel e o reino de Deus. A natureza de Deus, a história da salvação e o caráter do povo de Deus são revelados progressivamente. Os eventos anteriores antecipam e predizem os eventos posteriores. A inspiração do Espírito Santo dá às Escrituras uma qualidade progressiva e até profética ou preditiva. Em total contraste com a compartimentalização hermenêutica do dispensacionalismo, a revelação progressiva afirma uma abordagem mais unificada à interpretação e compreensão bíblica. Gause conclui que "a visão da revelação progressiva e unificada da história da salvação oferece a melhor interpretação das Escrituras". Para Gause, considerações sobre a imutabilidade e unidade de Deus bem como da Palavra de Deus levam consistentemente a essa conclusão.[16] Curiosamente, Gause não sacrifica a forte ênfase do pentecostalismo na escatologia pré-milenar por meio de sua adoção da revelação progressiva. O pré-milenismo, entretanto, explicado em seu estudo de Apocalipse é de um sabor decididamente diferente do tipo Darby-Scofield-Dake. É menos esotérico, sendo mais aberto. Está preocupado com a atividade e soberania de Deus ao longo da história e sua consumação redentora providencialmente teleológica, em vez de projetar esquemas preditivos de eventos elaborados para os últimos dias.

A revelação progressiva, portanto, baseada solidamente no caráter onipresente e unificado de Deus e da Palavra de Deus, em vez das fragilidades e vicissitudes do conhecimento e da natureza humana, é para o pentecostalismo uma opção mais atraente do que o dispensacionalismo. Também é provocativo no sentido positivo. É provocativo para os pentecostais porque exige um repensar sério e uma revisão substancial das ideologias políticas e teológicas desordenadamente ligadas ao dispensacionalismo. Isso, é claro, entre muitos outros assuntos, incluiria atitudes agressivas dissimuladas e abertas em relação à política mundial e outras religiões em relação ao Oriente Médio, particularmente entre israelenses e palestinos ou judeus, cristãos e muçulmanos. Também é provocativo para muitos cristãos não pentecostais porque sua maturidade e moderação exigem a reconsideração de uma rejeição, muitas vezes casual, do significado central da escatologia na fé e na vida cristã. Isso incluiria, é claro, como as ideologias políticas e teológicas deveriam ser apropriadamente centradas e moldadas pela convicção de que a consumação da história humana é, em última análise, direcionada para um destino divinamente ordenado em Cristo.

 

Conclusão

Consideramos que o dispensacionalismo é deficiente para o pentecostalismo devido a identidades divergentes. Quando aplicamos essa afirmação à crise crescente no Oriente Médio em relação ao sionismo cristão e suas implicações internacionais, certas responsabilidades tornam-se claramente incumbentes de nós. Lamentavelmente, a guerra continua em nosso mundo, violentando e destruindo-o sem trégua. Na medida em que nossas posições teológicas direcionam e moldam nossas práticas políticas, incluindo questões de guerra e paz, pessoas verdadeiramente devotas não podem e não devem evitar abordar o papel da religião na realidade da guerra. Obviamente, os cristãos são chamados e ordenados a serem pacificadores e promotores da paz (Mt 5:9; Hb 12:14).[17]

Já observamos que nossas posições teológicas têm ramificações políticas. Isto, é claro, é o caso tanto para pentecostais quanto para não pentecostais. Consequentemente, cristãos pentecostais e não pentecostais, incluindo os chamados conservadores, liberais, moderados ou progressistas, são chamados a fornecer uma alternativa viável ao dispensacionalismo fundamentalista para nosso povo nos bancos. Em minha opinião, a forma de nossa resposta deve incluir os seguintes elementos mínimos. Primeiro, deve levar a sério o ensino bíblico sobre escatologia. Em segundo lugar, deve aplicar a escatologia bíblica com responsabilidade ética aos ambientes sociais locais e globais de hoje. Terceiro, deve confessar abertamente as limitações de todos os nossos modelos paradigmáticos. Em quarto e último lugar, deve centrar sua doutrina e prática em uma ênfase na preeminência temporal e escatológica do amor. Todos os princípios acima são simplesmente amplificações de um capítulo bíblico escatologicamente subestimado do apóstolo Paulo - 1 Coríntios 13. Senhor, conceda-nos graça suficiente para assim pensar, falar e agir; em nome de Jesus. Amém!



[1] Bispo Tony Richie (D.Min., Asbury Theological Seminary / D.Th. Candidate, UNISA), Pastor Sênior, New Harvest Church of God [Igreja de Deus] em Knoxville, TN, também é professor missionário na SEMISUD (Quito, Equador) e professor adjunto no Seminário Teológico da Igreja de Deus (Cleveland, TN). Ele serve na Society for Pentecostal Studies como contato com a Comissão de Relações Inter-religiosas (IRC) do Conselho Nacional de Igrejas de Cristo, e o IRC como contato com o christianzionism.org.

[2] Pastor Marlon Marques (mestrando no Wesley Biblical Seminary) é ministro da Igreja Metodista Livre em Fortaleza e professor do Seminário Bíblico Wesleyano. Escritor de livros e artigos, dentre eles, A Autoridade das Escrituras: Inspiração, Inerrância e Hermenêutica (Editora Reflexão).

[3] Componentes das visões amplas e divergentes sobre o sionismo cristão podem ser experimentados navegando nos sites concorrentes de http://christianzionism.org e http://christian-zionism.org. Além disso, uma excelente fonte de informações e visão geral bastante equilibrada pode ser encontrada em http://enwikepedia.org/wiki/ChristianZionism.

 

[4] Também me lembro de uma conversa crucial com um colega e amigo, o Dr. Robert Debelak, da Lee University, Cleveland-TN, que insistiu que a revelação bíblica é caracterizada pela continuidade em vez da descontinuidade tão evidente no dispensacionalismo. Recentemente, Rob apontou que, embora fora do escopo deste artigo, o texto (agora datado) de Dave McPherson, The Incredible Cover-Up (Medford, OR: Omega Publications, 1975), se destaca como uma crítica à ênfase Darby-Irving em escatologia.

[5] Ainda tenho uma apreciação positiva pelos motivos de muitos professores dispensacionalistas na tentativa de uma abordagem profunda do estudo da Bíblia, e estou ciente de várias versões mais flexíveis de um dispensacionalismo mais clássico e histórico em Irineu, Tertuliano, Joachim de Fiore, John Fletcher, Jonathan Edwards, etc, que possuem recursos valiosos.

[6] D. J. Wilson, “Eschatology, Pentecostal Perspectives on”, The New International Dictionary of the Pentecostal and Charismatic Movements (NIDPCM), ed. Stanley M. Burgess and assoc. ed. Eduard M. van der Mass (Grand Rapids: Zondervan, 2002), pp. 601 05.

[7] F. L. Arrington, “Dispensationalism,” NIDPCM, pp. 584-86 (585). Cf. Gerald T. Sheppard, “Pentecostalism and the Hermeneutics of Dispensationalism: The Anatomy of an Uneasy Relationship”, Pneuma: The Journal of the Society for Pentecostal Studies 6 (Fall 1984), pp. 5-34.

[8] Cf. H. V. Synan, “Evangelicalism,” NIDPCM, pp. 613-16 (615) and “Fundamentalism,” NIDPCM, pp. 655-658 (657-58).

[9] Uma espécie de dispensacionalismo geral que identifica a presente "Era do Espírito", incluindo elementos escatológicos e proféticos, pode de fato ser intrínseco ao pentecostalismo, pelo menos em sua forma clássica norte-americana inicial. Ver M. D. Palmer, “Ethics in the Classical Pentecostal Tradition,” NIDPCM, pp. 605-610 (606). Nesse caso, as distinções em relação ao dispensacionalismo fundamentalista ainda são nítidas.

[10] Ecumênico não significa pluralista, mas sim que busca a união das igrejas e movimentos cristãos ortodoxos. (Nota do Tradutor)

[11] See Tony Richie, “‘The Unity of the Spirit’”: Are Pentecostals Inherently Ecumenists and Inclusivists?” Journal of the European Pentecostal Theological Association, 26.1 (2006), pp. 21-35.

[12] f. Cecil M. Robeck, Jr. Azusa Street Mission & Revival: The Birth of the Global Pentecostal Movement (Nashville: Nelson, 2006), Douglas Jacobsen, Thinking in the Spirit: Theologies of the Early Pentecostal Movement (Bloomington & Indianapolis: Indiana University Press, 2003), Grant Wacker, Heaven Below: Early Pentecostals and American Culture (London, Eng: Harvard University Press, 2001).

[13] Cf. Harold D. Hunter and Peter D. Hocken, editors, All Together in One Place: Theological Papers from the Brighton Conference on World Evangelization (JPTSup 4, Sheffield, Eng: Sheffield AcademicPress, 1993) and Allan Anderson and Walter J. Hollenweger, editors, Pentecostals after a Century: Global Perspectives on a Movement in Transition (JPTSup 15, Sheffield, England: Sheffield Academic Press, 1999).

[14] Vinson Synan, In the latter Days: The Outpouring of the Holy Spirit in the Twentieth Century (Ann Arbor, MI: Servant, 1984), pp. 135-46 (145).

[15] No Brasil essa igreja é chamada de Igreja de Deus no Brasil. (Nota do Tradutor)

[16] R. Hollis Gause, Revelation: God’s Stamp of Sovereignty on History (Cleveland: Pathway, 1983), pp. 18- 21. Significativamente, esse livro foi publicado pela casa publicadora da Igreja de Deus.

[17] Eu não estou aqui advogando ou argumentando acerca do pacifismo total, embora alguns pentecostais façam isso. Veja D. J. Wilson, “Pacifism,” NIDPCM, pp. 953-55. Cf. Pentecostal Charismatic Peace Fellowship at http://www.pentecostalpeace.org. Pessoalmente, estou enfatizando uma forte preferência pela paz tanto quanto possível.   


* Para acessar o texto original em inglês, clique aqui. Para obter o PDF deste artigo, clique aqui.

sexta-feira, 12 de março de 2021

O Cristianismo Evangélico na América: Um Movimento Fracassado? (Roger Olson)


O texto abaixo de Roger Olson evidencia o contexto evangélico norte-americano, mas que não é diferente do brasileiro. A maneira de vida e devoção evangélica, como evangelismo, devocionais pessoais e familiares, não ser moldado pelos valores seculares, dependência econômica de Deus... tudo isso tem mudado desde cerca de trinta anos atrás para cá. Olson aborda com maestria essa questão, numa espécie de denúncia profética para que o movimento evangélico volte às suas características de antes.

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Por Roger Olson

Eu cresci no meio do cristianismo evangélico americano e sirvo como teólogo neste movimento por cerca de quarenta anos. Meu tio fazia parte do conselho nacional da National Association of Evangelical (NAE) [Associação Nacional de Evangélicos]. Meus pais eram pastores evangélicos; muitos de meus parentes próximos eram evangelistas evangélicos, ministros, missionários e líderes denominacionais. Lembro-me bem de estar na calçada do centro de nossa cidade do Meio-Oeste, sentindo-me orgulhoso de ver meu pai caminhando junto com vários outros pastores e líderes evangélicos. Não me lembro sobre o que foi o evento. Era pacífico e tinha permissão do governo da cidade. Eu gostaria de poder lembrar do que se tratava, mas eu tinha apenas oito anos de idade.

Frequentei uma faculdade e seminário evangélicos e ensinei teologia em três universidades evangélicas americanas. Visitei inúmeras igrejas evangélicas e falei em várias faculdades e seminários evangélicos por toda a América. Servi como consultor e editor colaborador da [revista] Christianity Today [Cristianismo Hoje] e como editor-chefe da Christian Scholar's Review [Crítica da Academia Cristã] - ambas publicações evangélicas. Escrevi muitos livros e capítulos de livros publicados por editoras evangélicas. Não estou certo de que muitas pessoas vivas hoje tenham uma experiência mais ampla e profunda com o cristianismo evangélico americano. Eu me especializei no estudo do evangelicalismo americano por muitos anos e alguns de meus livros e capítulos (em livros editados) são sobre esse fenômeno.

Quando eu agora "fico" olhando ao redor para o cristianismo evangélico americano e, em seguida, olho para trás para o que era no passado, sou tentado a dizer que agora é um movimento fracassado. Nas décadas de 1950 e 1960, e até mesmo em meados dos anos 1970 e 1980, o evangelicalismo era relativamente forte, bastante coeso, influente no que eu chamaria de um bom caminho. Sim, com certeza, tinha seus defeitos, mas não me arrependo de ter crescido no movimento e passado minha vida inteira no meio dele.

Lamento profundamente estar vendo isso desmoronar e falhar. Não tenho certeza se ainda existe algo como um movimento evangélico americano.

Quais são os sintomas desta “falha”? Bem, não existe mais um centro do movimento. Por anos, Billy Graham e seus muitos ministérios serviram como esse centro. Com seu falecimento, as fissuras e rachaduras do movimento transformaram-se em abismos. Muitos líderes evangélicos não podem ou não querem mais falar uns com os outros. Além disso, o movimento foi sequestrado por nacionalistas americanos de direita radical e eles o transformaram em algo que o movimento nunca foi. Finalmente, a religião popular americana se levantou dentro do movimento e colocou de lado qualquer coisa séria e profunda sobre ela - teologia, liturgia, doutrina, homilética, estilo de vida, etc. Não há quase nada distinto em ser "evangélico" na América hoje, exceto ser pró-americano de uma forma religiosa e sendo contra coisas como aborto e homossexualidade.

"Meu evangelicalismo” dos anos 1940 até os anos 1970 e mesmo na década de 1980 era tão diferente do evangelicalismo americano de hoje (e falo aqui apenas do evangelicalismo americano branco) que dificilmente o reconheço.

Quando eu era jovem, os evangélicos esperavam que os sermões, pelo menos às vezes, fossem convincentes . Não ouvi mais do que um ou dois sermões convincentes desafiando crenças, costumes, práticas e estilos de vida comuns em anos. Quando eu era jovem os evangélicos esperavam ser ensinados a evangelizar, testemunhar, viver com ousadia para Cristo e até serem perseguidos. Quando eu era jovem, os evangélicos esperavam que fossem diferentes da sociedade secular em termos de estilo de vida. Quando eu era jovem, os evangélicos esperavam ser desafiados quando abandonassem seu cônjuge ou família sem um bom motivo e se unissem a outra pessoa. Quando eu era jovem, os evangélicos "Esperando em Cristo" criam que Jesus voltaria logo e por isso não buscavam sua segurança em economias e posses materiais. Quando eu era jovem, os evangélicos esperavam que os missionários viessem à igreja, ficassem nas casas dos membros, e que convocassem desafio do chamado para serem missionários. Quando eu era jovem, os evangélicos eram desafiados rotineiramente a viver uma vida abnegada de serviço ao reino de Deus no mundo. Quando eu era jovem, os evangélicos eram rotineiramente advertidos contra cair no mundanismo, seguindo as modas da cultura secular. Quando eu era jovem, para ser bem específico, as famílias evangélicas tinham quase diariamente “devoções familiares” juntas em casa. Eu poderia continuar identificando as características comuns e centrais de como era ser evangélico na América dos anos 1940 aos anos 1970 e 1980.

Não consigo identificar quando a mudança aconteceu, mas eu estimaria que seja em algum momento da década de 1980. Lenta, mas continuamente, os evangélicos americanos (brancos) abandonaram suas características e se tornaram não muito diferentes do mundo não evangélico e não cristão. Sim, é claro, sempre houve e há "resistências", principalmente em igrejas fundamentalistas que ainda pregam e vivem da mesma forma de sempre. Em sua maioria, eles são a multidão fanática do tipo “apenas a Bíblia King James”.

Sim eu conheço. Eu posso ouvir o coro de objeções. “As coisas não eram tão boas naquela época; seu evangelicalismo da década de 1940, e além, estava repleto de problemas. ” Não há dúvida sobre isso. Mas me parece que reagimos a esses problemas (racismo, sexismo, legalismo, aspereza com quem não correspondia às expectativas) jogando fora o bebê com a água do banho. Hoje, o cristianismo evangélico americano é uma casca vazia e rasa de sua existência anterior como uma forma distinta de vida religiosa. Os principais compromissos e práticas estão sendo substituídos em muitas igrejas evangélicas brancas pelo quase fanático nacionalismo americano, antissocialismo, populismo, trumpismo e crenças reacionárias sobre o progressismo social. Entre essas pessoas, raramente se ouve sobre a segunda vinda de Jesus, a alegria de servir a Jesus, o poder do Espírito Santo para mudar vidas, etc.

Francamente, estou tão cansado do evangelicalismo vazio e superficial que sou atraído pelas igrejas dos velhos tempos [as fundamentalistas] que ainda acreditam e agem de acordo com os velhos tempos. Mas, é claro, eu nunca poderia concordar com a ideia de "apenas a Bíblia King James" e tudo relacionado a isso.

Há esperança de uma renovação do evangelicalismo profundo, transformador de vidas, transformador do mundo, esperançoso, alegre, que prega convicções, fala a verdade sendo contracultural da minha juventude? Eu duvido. Mas acho que é uma pena.


Tradução: Marlon Marques